Crise da eletrônica ou do mercado fonográfico?* (Um diálogo entre Nadja Vladi e Cláudio Manoel Duarte)

Nadja Vladi – Após um período de boas vendagens de discos, raves e clubes lotados, a música eletrônica parece não empolgar tanto os jovens consumidores do estilo. Há uma saturação da cena mundialmente?

Cláudio Manoel – A tal saturação – defendida pelas gravadoras – é na verdade um refluxo da cena. Cenas não são estáticas, têm altos e baixos, uma realimentação permanente não só cultura do dj, mas na cena das bandas de rock, jazz, samba, mpb. O que saturou foi a exploração midiática da cena, mas o underground continua existindo como fonte de experimentação estética.

Nadja Vladi – Por que artistas como Chemical Brothers ou Daft Punk não provocam mais tanto entusiasmo com o lançamento de seus novos CDs. Falta novidade?

Cláudio Manoel – Pelo contrário, esses ícones, que continuam tendo seu papel de dar um caráter mais pop à cena, nunca foram o centro da produção da eletrônica. Aparecem mais por sua popularização – também desgastada pela mídia, que outrora explorou ao máximo o pop do pop da eletrônica, o Prodigy. As novidades estão sempre fora desse circuitão, desse mercadão. Vai demorar um pouco para a mídia perceber que a eletrônica faz parcerias com jazz, através da cena Nu jazz, baseada principalmente no Broken beat. Também vai levar algum tempo para a mídia pop descobrir por onde o rock está se conectando com a house. São segredos do underground que o mainstream não sabe como cavar ainda e transformá-lo em lucro. Lembre-se que essa mesma mídia celebrou várias vezes a morte do rock (e até do punk rock), porque a referência dela era a venda de cd, um suporte em agonia que não serve mais como referência de consumo das subculturas e até mesmo da música vendida no mercadão. A circulação de bens simbólicos mais experimentais encontra veias mais livres, como a net (mp3, Ogg) e até as lojas de vinis que continuam a mil, como mídia alternativa.

Nadja Vladi – A música eletrônica estaria perdendo espaço para um retorno do rock na cena pop mundial?

Cláudio Manoel – O rock volta a ter um fluxo mais alto e isso também é muito bom, inclusive se conectando com as experiências da eletrônica, como na electrohouse. São fluxos das subculturas. Quem diria que o rap (música eletrônica!) e a cultura hip hop ocupassem pela primeira vez na história da Billboard (principal revista americana sobre musica pop) todos os itens do “Top 10”? Discos vendidos e grana para a indústria e mídias que sempre malharam contra essa cultura saída dos subúrbios negros americanos. Não creio que o refluxo de uma cena seja um alto fluxo de outra. O que causa o refluxo de uma cena seu processo de redescoberta estética, de realimentação. Duas cenas podem estar em alta, num mesmo período. Elas apontam para públicos, produtores e consumidores diferentes. Não é o bom cinema que detona o teatro.

Nadja Vladi – Clubes de cidades da Europa e dos Estados Unidos não vivem mais tão cheio, as raves são raras. A cena precisa se reinventar?

Cláudio Manoel – Acontece que as ambiências vão se alternado e mudando seu sentido. Creio que o formato rave (festas grandes fora da cidade), e que ainda existem, cedem espaço para manifestações mais urbanas e pontuais, rotineiras, em espaços menores, frente à segmentação de estilos e compartilhamento de públicos. A cena amadureceu e tem públicos e clubes que optam pela Microhouse, por exemplo. É preciso entender que uma cena tem bases internas, tem seu capital cultural, independente de sua expansão. Pode até aparecer maior como um bloco inicialmente, porém o amadurecimento a segmenta. O rock é um bom exemplo. Hoje não podemos falar da cena rock, mas das cenas punk, deafmetal, guitar bands, gótica…

Nadja Vladi – E no Brasil. Essa onda do funk carioca invadido e divertido cluber de lugares como Love. Qual o significado disso? Será que agora é mais divertido curtir Marllboro do que Marky?

Cláudio Manoel – Não sei se é mais divertido, isso fica a gosto. Mas o funk carioca, baseado na cultura também do dj e ignorado e rechaçado durante anos pela mídia, virou prato cheio para gerar lucro para ela atualmente, que jogou o funk para o mainstream e foi “hypada” para a classe media alta que sempre meteu o pau nesse som. A mídia, em breve, depois de explorar ao máximo essa música, anunciará uma crise do funk, quando ele não estiver mais lhe dando tanto lucro via venda de cds. E o funk – que é uma cena fantástica pela sua autonomia e grande público – continuará firme e forte, lá mesmo nos morros, no seu espaço underground, porque sempre “independeu” do mercadão para existir. Bote na cabeça: o mercadão inventa crise quando ele não lucra. Crise para mim é estética. E crise é necessária para que fórmulas caducas sejam repensadas e possam surgir novidades.

Nadja Vladi – A Bahia sempre teve uma cena muito pequena. Essas mudanças no consumo mundial da música eletrônica e na falta de novidades musicais interfere na cena local?

Cláudio Manoel – Esse discurso da falta de novidade é da grande mídia. A pequena cena da Bahia se deve à falta ainda de espaços empresariais dedicados à cultura do dj. Falo de clubes para esse som. Mas mesmo assim é uma cena de qualidade, persistente, com ótimos djs em técnica e pesquisa sonora, capaz de concorrer nacionalmente sem nenhum vexame. Disso a gente tem que ser orgulhar. Vamos medir a cena pela sua produção, pela sua qualidade, e não pelo lucro que ela gera via indústria fonográfica, pois ai seria a morte da experiência estética. Aprendemos isso com os punks nos anos 70/80 quando detonaram a espetacularização do rock progressivo e do metal que a indústria fonográfica inventava para ter mais lucro. Ainda bem. A cena eletrônica baiana convive com a diversidade cultural no estado e isso é positivo. Há espaço para todos: rock, reggae, eletrônica, mpb, arrocha, pagode, hip hop… quando uma só cultura começa a dominar, tem algo errado. Vide a época áurea do Axé Music que sufocava as outras manifestações. O bom mesmo é que todas a cenas cresçam e com qualidade estética. Afinal estamos falando de Arte.

*Entrevista de Cláudio Manoel Duarte de Souza, mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea à jornalista e profa dra. Nadja Vladi, para o jornal A Tarde(Salvador/BA)

0 Comentários

Envie uma Resposta

[Régua de organização e apoiadores] [Régua de organização e apoiadores] [Régua de organização e apoiadores] [Régua de organização e apoiadores]
Licença Creative Commons Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

Fazer login com suas credenciais

Esqueceu sua senha?