DJ/E-music: Uma outra cena da mesma*

anotações sobre a origem e o agito no nordeste

por Cláudio Manoel Duarte de Souza

As culturas emergentes, essas que surgem fora do mainstream, subterraneamente, aparecem por um triz – normalmente em pequeníssimos agrupamentos identitários em grandes espaços urbanos – e já aparecem com identidade, um afeto comum. É essa identidade que se espalha para outros centros, às vezes periféricos, como sempre foi o nordeste brasileiro e suas cidades. Mas, surpreendentemente, ao chegar nessas cidades mais periféricas, elas sobrevivem de suas vidas próprias, de seus desafios locais, e não mais dos centros.

A cena eletrônica nordestina – de base histórica no eixo sudeste do Brasil – não fugiu à regra. Não falo da cultura do dj – ou da figura do dj, em si – esse, o dj, esteve presente em quase todo o Brasil, a partir dos anos 70, por empreendimentos locais. Falo do entorno, do que chamamos de e-music, da cena, que se expande no País desde meados dos anos 90. Se por cena entendemos o encontro de dois conceitos – localidade e temporalidade (lugares e acontecimentos frequentes nesses lugares) – o que nos faltou (e falta ainda) no Nordeste do Brasil foram espaços destinados a esse entorno, a essa cena (os empreendimentos comerciais como bares, clubes, lojas de discos, equipamentos…). E até mesmo os espaços unders, que abrigassem essa cena inicial, não existiam (quase), como os nossos pontos do groove, do agito. Entre a localidade e a temporalidade quase inexistentes, a cena nordestina (e creio que também a do Norte do País), brigava consigo mesmo para poder nascer e sobreviver. Foi a rotina (e a teimosia) em manter alguns eventos sistemáticos que fizeram a cena existir, mesmo sem localidades fixas.

As dificuldades e o desejo se juntam e surgem, daí, idéias fortes que soam quase como ideologias. Via-se na cena da e-music algo além da mera diversão, via-se um plus: um Plur, peace, love, unity and respect, hoje quase esquecido. Surgem os coletivos de emusic, quase militantes, para fazer a cena existir. Ainda em fins de 97 e início de 98 dois coletivos pioneiros assinavam os eventos, como Soononmoon da Bahia (soononmoon.org) e Pragatecno de Alagoas (pragatecno.com.br). O primeiro fazendo as primeiras raves na região e o segundo, com uma atuação mais urbana, as festas na cidade de Maceió e o lançando o primeiro cd duplo de e-music do País, o Sombinário#1. Sim! Produtores de emusic, em live pas e produção de estúdio, já lançavam suas primeiras produções, com artistas de Maceió. A conexão da e-music local com o global não se dava com o sudeste, mas, sim, via internet, com o mundo. As tecnologias do digital efetivamente entram nessa cena como um suporte DIY, do-it-yourself, faça-você-mesmo, e a cena local ganha autonomia, com seus djs locais.

A cena teve início: ser dj de emusic, selecionar selos e produtores, escolher vertentes e subgêneros. O público se forma. As festas ganham nome, os flyers, os designers, os doors, os promoters, os equipamentos…O entorno é construído e é um entorno comprometido com a Cultura do Dj, essa hoje já bastante solapada pelo apropriação do mainstream.

As iniciativas do Soononmoon e Pragatecno espelham-se para outras cidades. Surgem núcleos do Pragatecno em Belém (Cotonete), São Luís (Maranhão), Fortaleza (Undergroove), Paraiba, Pernambuco, Sergipe, Bahia…(e Alagoas, onde o Pragatecno surge em 24 de janeiro de 1998).

Pós 2000, a massificação e a apropriação da figura do dj traz elementos positivos – como uma maior aceitação mercadológica e políticas de apoios de empresas, com foco em marketing (cultural ou não) -, mas banaliza a atuação. Se tínhamos djs que “assinavam” seus sets, a partir de uma pesquisa pessoal e particular de selos e produtores dentro de sua vertente, os setlists on line (tops 10, top 20, top…) e os sucessos impostos pela pista, retiram do (novo) dj a figura do pesquisador, banalizando-o como um animador. Esse novo panorama não exige tanto do dj que surge agora em todas as partes, inclusive no Nordeste.

De uma forma ou de outra, esse novo panorama minimiza a necessidade de se ter um “conceito” nos eventos, trazidos principalmente pelos coletivos unders, inicialmente. Um conceito numa atividade under estava associada à uma proposição estética nova, emergente. Hoje, mesmo no nordeste, convivemos com essa diluição da cultura do dj enquanto subcultura, no sentido da cultura identitária. O Mercado, esse mais pop, tem sido o demarcador.

Talvez o grande desafio, hoje – não somente para o Nordeste mas igualmente para o Brasil e sua cena da e-music – seja produzir música. Produzir música (e não apenas tocar – djing). E produzir com a cara do Brasil. Riqueza de ritmos temos, para exportação – e não é a toa que produtores de nu-soul e nu-jazz estrangeiros bebem de nossas fontes do samba-rock, samba-soul e bossa nova. Se pensarmos no norte e Nordeste como fonte música, aí se amplia tudo, com os sons dos folguedos e ritmos da música popular. A cena brasileira é ainda de estética importada (nada contra, mas se limita à estética da música principalmente americana e inglesa, com seus selos e produtores). Inclusive no Nordeste: tocamos o que se toca e se produz lá fora. Olhamos pouco para nós mesmos, como veiculadores de sons e estéticas.

Nesse sentido, destaco a atuação do dj Dolores (http://www.myspace.com/dj.dolores), sergipano radicado em Pernambuco, e de Chico Correa (http://www.myspace.com/chicocorreaelectronicband), paraibano, que sempre se dedicaram à produção sonora onde se associam timbre sintéticos aos grooves regionais. Destacando ainda o argentino radicado na Bahia (hoje falecido) Ramiro Musotto (http://www.myspace.com/ramiromusotto) com sua obra synthafrobeatberimbau.

Lembro que uma de minhas melhores experiências de djing e produtor – na busca de conectar ruídos sintéticos com sons regionais –: foi a performance que fizemos (dj Angelis Sanctus e Beto Farias) em São Paulo (Sesc Pompéia) quando tocamos com o grupo Baianas de Santa Luzia do Norte, grupo de côco, folclore alagoano, formado por senhoras cinquentenárias e músicos de percussão. Com isso quero dizer que há um nicho aberto e ignorado em conectar beats e grooves locais, que poderia ser o centro de nossa cena regional.

Chamo atenção para o fato de que a cena do dj no Nordeste – mais do que (somente) a cena de e-music – tem feito surgir novos agrupamentos (coletivos ou não) que tocam outros gêneros, como black music (samba-rock, samba-soul…), reggae, rock… Gerando novos entornos com novos promoters, divulgadores, consumidores de festas. Isso é interessante porque amplia o panorama estético local, absorvendo e gerando diversidade musical, tão presente na região.

Por último, em que pese o boom de novos e jovens djs que pesquisam pouco a música, documento a enorme quantidade de djs espalhados em todos os estados nordestinos – inclusive muitas mulheres – e com talento destacado não só no campo da pesquisa dos gêneros musicais, mas com excelente técnica de mixagem.

Reforçando a idéia inicial, ao olhar essa cena de dj com tantos desafios locais (falta de infra-estrutura comercial, principalmente) é possível identificar que a qualidade desses artistas – os djs dedicados à pesquisa – é tão destacada como a de qualquer parte do planeta. E isso não é exagero. É só ir para a festa certa. (Cláudio Manoel Duarte de Souza)

– Na foto, os DJs Fil e Rodrigo Lobbão (Fortaleza, CE).

*Artigo produzido para a revista do evento Geração Eletrônica (http://www.geracaoeletronica.com)

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